Morre lentamente quem se transforma em escravo do hábito‘. Essa frase, de um poema de Martha de Medeiros e erroneamente atribuída à Pablo Neruda exemplifica talvez não só a apresentação da recente passagem do Iron Maiden por São Paulo como uma visão geral de todo o estilo do qual a banda britânica é um dos maiores expoentes.

O hábito em si é a repetição do roteiro que caminha dentro da zona de conforto, sem ousadia, a começar pela escolha das canções. No mínimo metade de um setlist do Iron Maiden são as ‘mesmas canções de sempre’ como ‘The Trooper’, ‘Run To The Hills’ ou ‘Aces High’, clássicos gigantescos do estilo mas tocadas tantas vezes nas turnês que, por mais que sempre exista um fã indo pela primeira vez ao show fica a pergunta do por que não remover uma ou duas delas e incluir algo mais inesperado. Em uma discografia de mais de 15 álbuns e 100 canções chega a ser triste que algumas delas jamais sejam executadas ou apareçam com pouquíssima frequência.

Todas as outras linhas do roteiro também estão ali: a produção impressionante do palco, os momentos de pirotecnia e as roupas utilizadas por Bruce Dickinson a cada canção interpretada de forma teatral com adornos e objetos de cena ou a entrada de Eddie no palco. Isso tudo sustentado impecavelmente pelos músicos que tem seu momento de destaque em algum solo,  introdução ou em malabarismos com o instrumento, como no caso de Janick Gers.

Toda essa restrição não permite espaço para improvisos, claro, o que não justifica alguma diferença que podia ser planejada de forma a trazer algum frescor ao show, algo que fosse realmente uma surpresa para os fãs. A banda neste caso joga no garantido, escrava do hábito e se mantem no conforto sem buscar a ousadia, o que está além dessa zona. Segue-se assim mais algumas canções que raramente saem do set e uma pequena escolha de músicas do disco ‘Senjutsu’, lançado este ano.

Eles não ousam por não querer ousar ou por serem reféns de um público que os condenaria caso saissem um passo daquilo que eles esperam? Pois é a ai que temos a aplicação da frase da introdução para o lado dos fãs e do estilo. Eles são escravos de um conjunto de clichês onde precisam da auto afirmação, da exibição do conhecimento do estilo e um ar de superioridade em relação à outros estilos musicais, o que até vai de contra o que seria o rock e o metal, a ousadia, a quebra de padrões. Uma banda que o faça é rechaçada, tal qual o próprio Iron Maiden foi na década de 90.

Por anos diz-se que o rock morreu mas ele está ai, ainda enchendo estádios no que talvez seja não a prova de que ainda vive e sim que está em seus estágios finais. Essa impressão de grandiosidade do estilo pode ser comparada ao fim do ciclo de vida de uma estrela que, ao consumir todo o seu combustível se expande aumentando seu brilho e temperatura para depois encolher. Esse momento é o qual bandas como o Iron Maiden e o rock/metal em si se encontram.

Assim que a chama de um grupo como o Maiden se apagar, restará ao meio encolher tal qual uma estrela caminhando para seu estágio final e ali, ainda brilhar mas de forma pálida por mais algum tempo? E nesse ponto há a culpa de uma boa a parcela do público que justificadamente enche um estádio para ver o grupo porém não se abre e não permite novidades dentro daquilo que esperam ou que tem como regras em suas cabeças. Isso valendo desde como se vestir e se portar dentro do show, com todos os clichês de chifres com as mãos e coleção de copos com consumo de cerveja.

O público em si quer o mais do mesmo, mas não percebe o quanto tal atitude condenou o próprio estilo a encolher. Ao se fechar para as novidades e temer as ousadias, ele impede a renovação do mesmo, da sonoridade e do próprio público. Um exemplo recente disso foi a reação de fãs do estilo em reação à presença da canção ‘Master of Puppets’ do Metallica na série Stranger Things, o que atraiu uma nova leva de interessados que foram hostilizados por ‘fãs das antigas’.

A banda de abertura da noite, os suecos do Avatar, um grupo que em sua carreira já váriou seu estilo indo do death metal melódico ao nu metal a uma sonoridade avant-garde, pode ser um exemplo. Não chegou a ser hostilizada, mas por mais talentosos que sejam, e busquem sair do padrão básico do heavy metal, não chega a ser tão bem recebido quanto deveria dada a qualidade da banda que une a teatralidade com a sonoridade mais pesada que o próprio Iron.

Em uma recente entrevista, o vocalista do grupo Johannes Eckerström  comenta sobre como há uma parcela enorme do estilo que está presa a um passado e se repete nisso, cita a necessidade de ir além e questiona ‘qual o próximo passo?’. Por sorte existem bandas como eles que ousam, ainda que talvez não acertem ou agradem, mas tem a coragem e a ousadia de um estilo que foi marcado por isso e agora encontra-se perdido em um emaranhado de nostalgia.

Setlist Iron Maiden

Senjutsu
Stratego
The Writing on the Wall
Revelations
Blood Brothers
Sign of the Cross
Flight of Icarus
Fear of the Dark
Hallowed Be Thy Name
The Number of the Beast
Iron Maiden
The Trooper
The Clansman
Run To The Hills
Aces High

Setlist Avatar

Hail the Apocalypse
Let It Burn
Colossus
Paint Me Red
Bloody Angel
The Eagle Has Landed
Smells Like a Freakshow