O título de ‘Rei do Rolê Aleatório’ cai muito bem em Evan Dando, o líder do Lemonheads, que se apresentou no último domingo em São Paulo no Fabrique, que foi anunciado recentemente após dois shows no Sesc serem anunciados esgotarem em horas. Nessa noite no entanto, a receita seria diferente. Ao invés de uma apresentação acústica, Evan estaria acompanhado da banda brasileira Twinpines em um set elétrico.

Visto no país desde o final de 2022, o músico que recentemente anunciou que irá se mudar para o país, está namorando Antonia Teixeira, filha de Roberto Teixeira e gravando material novo do Lemonheads em São Paulo. Por isso frequentemente tem sido visto por ai pela capital paulista, em bares na Vila Madalena, estúdios, lojas de discos, rádios e outros lugares. Assim, não demorou muito para que alguns shows fossem anunciados pela cidade quando os fãs descobriam sua presença e se perguntavam sobre a possibilidade.

Quem acompanhou o grupo em suas passagens pelo Brasil ao longo dos anos 90 e 2000 sabe que Evan é uma caixinha de surpresas. De se apresentar para multidões em uma praia do litoral paulista a pegar seu violão e tocar com pessoas em praças no Rio, sem contar as histórias no exterior como já ter morado com Johnny Depp, tocado em supermercados, músicas gravadas e não lançadas com membros do Oasis e por ai vaí.

Então não seria surpresa que seu show previsivelmente seria imprevisível para quem foi ao Fabrique. Diante de um bom público que compareceu ao local, Evan acabou fazendo dois sets, um primeiro elétrico totalmente dedicado ao Lemonheads acompanhado do grupo brasileiro Twinpines, que começou com ‘Into Your Arms’.

Inquieto, tocava enquanto brigava com os pedais, microfones e amplificadores do palco para acertar seu som, em vários momentos se alternando entre eles ou mexendo entre ou até durante as músicas. Com tanta movimentação, os cabos de sua guitarra por diversas vezes se enrolaram quase derrubando pedestais pelo local enquanto o músico ia alternando frases entre os equiamentos e até cantarolando canções que sequer constavam no setlist como ‘Wicked Game’ de Chris Isaak.

Se ficava bagunçado, sentava-se à beira do palco enquanto empunhava apenas o microfone enquanto passava por canções como ‘Luka’ ou ‘Rest Assured’. Por vezes, algumas de suas palavras para o público soavem inteligíveis e em outros ele explicava que já esperava um caos devido a uma ‘passagem de som de merda‘ que teve e que se refletiam em alguns problemas de som na apresentação elétrica. Se em outro artista isso provavelmente geraria algum momento de desculpas ou enrolações ou até um mau humor, nele, ainda que talvez irritado por isso não se deixou levar já que a alegria em estar ali com as pessoas fazendo algo que claramente gosta, superava isso e utilizava esses percalços para dar ao show uma veia mais suja com uma energia caótica e que contagiava os presentes que não se mostraram surpresos e sim felizes em ver pessoalmente faixas como ‘Confetti’ ou ‘Rudderless’.

Ao fim do primeiro set, Evan saiu correndo do palco dando a entender para alguns que a apresentação havia acabado pois os roadies começaram a desmontar parte dos equipamentos. O que iria acontecer é que o músico retornaria para um segundo set, agora acústico no qual utilizou três microfones para cantar mais uma leva de covers e clássicos do Lemondeads.

Com menos equipamentos dando problemas, o set acústico fluiu melhor, ainda que continuasse a energia caótica de alguém que até hoje carrega uma noventista em si. Por vezes, Evan desplugava seu violão sem dó e se aproximava do público, cantando à capela com os presentes para então replugar o instrumento e continuar as canções. Em outros momentos, ajoelhava no palco para cantar ao microfone mais baixo, que ficava próximo ao seu violão.

Para o segundo set, Evan separou algumas outras canções do Lemonheads como ‘My Drug Buddy’ assim como covers como ‘Skulls’ do Misfits e até uma canção inédita chamada ‘Fear of Living’, que não se sabe se estará em algum material solo ou no novo material do grupo.

A intensidade era visível em cada canção, em cada acorde tocado por alguém que se entregava ali, não vivendo de um passado de altos e baixos e mantendo-se em uma zona de conforto. É altamente perceptível que ele se desafia e está com vontade de seguir em frente a ponto de se mudar de país para ‘novos ares’ em uma nova fase de sua vida, já que parte do motivo de sua mudança para o Brasil é, além do relacionamento, um tratamento de saúde dentária para se recuperar dos anos de abusos de drogas.

E claro que ainda haveriam surpresas e quebra de expectativas para o final do show acústico já que o artista recebeu no palco Tex, músico e filho do violeiro Chico Teixeira para acompanhá-lo em ‘It’s a shame about Ray’ empunhando uma guitarra distorcida e no clímax da noite, quando Evan correu para atrás da bateria, sentou nela e ali tocou ‘Mrs. Robinson’ e só assim encerrar a apresentação de verdade.

Parcialmente, pois após terminar o show, passado algum tempo, Evan saiu pela rua em frente ao Fabrique empunhando a caixa da bateria e ainda fez um som rapidamente sob o viaduto próximo que alguns fãs conseguiram presenciar antes dos seguranças irem buscá-lo de volta para a casa.

Uma caixinha de surpresa previsivemente imprevisível como somente alguém inquieto pode ser.