Foto: Michael Gibson/Divulgação

“As vezes eu imagino quem eu seria se não tivesse acontecido comigo” diz uma das personagens do drama Entre Mulheres em determinado momento do debate que as moradoras de uma comunidade religiosa isolada travam após descobrirem a verdade sobre os atos de violência que sofriam nas noites.

Adaptação do livro homônimo de Mirian Toews, o longa da diretora Sarah Polley narra a história de um grupo de mulheres que descobrem que as marcas de violência e abusos com as quais acordavam não eram delírios de uma mente fértil, fantasmas ou atos do demônio como lhes era dito e sim abusos por parte dos homens da vila que as dopavam com anestésicos para bovinos para praticar tais atos. Sua comunidade é menonita, um movimento do cristianismo evangélico no qual as mulheres não são alfabetizadas, se tornando totalmente dependentes e subserventes e todos vivem isolados com rejeição à modernidade, sem eletricidade, pavimentações ou comunicação.

A narrativa é inspirada por uma série de estupros que aconteceu entre 2005 e 2009 em uma comunidade na Bolívia e parte como um exercício imaginativo do que poderia ter acontecido após a revelação da verdade sobre os abusos. Na vida real, os homens foram condenados à prisão em 2011. No filme, após um dos homens ser pego, uma das mulheres da vila o ataca, fato que o leva à prisão e faz com que os homens da vila se ausentam por 2 dias para lidar com a fiança em uma cidade próxima. Nessas 48 horas há o debate entre elas sobre o que elas irão fazer agora que sabem a verdade.

Com tons pouco saturados, uma decisão da diretora e do diretor de fotografia Luc Montpellier que causa uma sensação épica e atemporal, acompanhamos os argumentos de um grupo da comunidade. Essa decisão estética, além da sensação do isolamento e falta de vida nos faz pensar que a história se passada em um ou dois séculos atrás até que somos jogados à realidade que o filme se passa em 2010 quando um carro do censo local cruza a vila, o que torna tudo ainda mais chocante.

Foto: Michael Gibson/Divulgação

Revolta, perdão, fuga, vingança são temas em uma série de diálogos entre as personagens, que são intercalados com alguns flashbacks expondo ainda mais as violências sofridas por Ona (Rooney Mara), Mariche (Jessie Buckley), Salome (Claire Foy) e outras mulheres do local. A dúvida de não ir para o céu, a ideia de perdoar, o medo de se tornar uma assassina, quem são as vítimas elas ou até os homens vítimas de tradições impostas, a vontade de apenas se afastar de tudo e recomeçar são debatidas entre lágrimas e risos nervosos que são as reações às dores e os traumas.

Dentre elas um personagem destoa, o homem que as acompanha nesses diálogos, o professor (Ben Winshaw) da vila ao qual é dada a tarefa de ouvir e anotar tudo que está sendo debatido. Ele também diverge dos homens do local já que havia sido expulso de lá quando pequeno junto de sua mãe que contestava as regras do local. Após o falecimento dela, lhe foi permitido voltar para alfabetizar os jovens, porém, com conhecimento do mundo exterior, ele está disposto a ajudá-las como puder.

Enquanto elas expõem suas ideias e reflexões, temas doloridos e incômodos como patriarcado, violência psicológica, física e seuxal são debatidos. A fé também é questionada, a figura divina, o que ela realmente quer, dita ou representa ante os fatos chocantes acontecidos. A masculinidade tóxica e suas consequências também são abordadas quando é questionado o que fazer com os meninos e jovens da vida e na própria figura do professor, uma vítima disso quando criança e que, adulto, demonstra também os traumas e danos sofridos além de representar a importância da educação.

O título nacional talvez não reflita tão bem quanto o original ‘Women Talking’ (Mulheres Falando). Elas falam, expõem suas dores, medos, sonhos mas, são escutadas? Essa dúvida fica no ar ao final do filme que incomoda e nos faz refletir sobre todos esses temas.

Entre Mulheres tem duas indicações ao oscar (Melhor Filme e Melhor Roteiro Adaptado) e estreia nesta quinta, 02 de março. Confira o trailer: